28/03/2024

Por que avanço do projeto de lei que altera regras de falência e recuperação judicial de empresas preocupa advogados?

Por: Bruno Rosa
Fonte: O Globo
A aprovação na Câmara dos Deputados de um projeto que altera a Lei de
Falências e Recuperação Judicial gerou críticas entre advogados e entidades de
classe. Para eles, o PL, que ainda vai para o Senado, pode gerar judicialização
nos processos de renegociação de dívidas das empresas.
O texto, que passou na última terça-feira na Câmara, dá mais poder aos
credores, que poderão, por exemplo, escolher o administrador judicial, hoje
definido pela Justiça. A mudança ocorre em um momento de alta nos pedidos
de recuperação judicial no país, que subiram 68,7% no ano passado em relação
a 2022.
Em 2023, 1.405 empresas, como Americanas e Southrock, operadora da
Starbucks, recorreram à medida judicial.
Especialistas dizem que a alteração nas regras poderá beneficiar,
principalmente, os maiores investidores, como fundos de investimentos. O PL
vai permitir ainda que os próprios credores possam decidir a melhor forma para
receber seus recursos, por meio da venda de ativos, sem depender do aval da
Justiça. Os créditos trabalhistas também não terão mais prioridade no
recebimento, como ocorre hoje.
Com o novo PL, que teve relatoria da deputada federal Dani Cunha (União-
RJ), o administrador judicial se tornará uma espécie de gestor fiduciário, que
será o responsável em realizar o leilão da venda de ativos (para gerar caixa) e
elaborar o plano de recuperação judicial. Hoje, esse processo é feito pela
empresa e precisa ser aprovado pelos credores em uma assembleia.
Para especialistas, o PL afeta os mais de 10 mil processos de falência em curso
no Brasil, como os da Vasp e do Banco Santos.
— A aprovação do PL representou um retrocesso aos avanços conquistados
com a lei de 2020, pois esvazia o poder Judiciário e o Ministério Público e
empodera credores especuladores, que ditarão os rumos do processo conforme
seus interesses. Isso vai trazer mais morosidade, pois a tendência é uma
avalanche de judicialização por parte dos prejudicados em busca de seus direitos
— diz Mariana Jurado, advogada especialista em insolvência.
Por outro lado, consultores que atuam na área de recuperação judicial afirmam
que o PL poderá trazer celeridade nos processos de negociação com credores.
Antonio Carvalho, que já atuou em casos envolvendo empresas varejistas, diz
que as mudanças mostram aperfeiçoamento na regulação, visto que alguns
processos levam anos e não resolvem o problema dos credores.
São os credores os maiores interessados em renegociar a dívida. Há casos em
que a falência é a única alternativa e há demora no sentido de se chegar a isso
— afirma Carvalho.
Segundo carta assinada por Manoel Justino Bezerra Filho, doutor e mestre em
Direito Comercial pela USP, e Fábio Ulhoa Coelho, professor da Faculdade
de Direito da PUC-SP, entre outros, o projeto de lei é fruto de pouco mais de
um mês de tramitação, e precisa de mais debate envolvendo “todos os setores
impactados pela legislação”.
O manifesto lembra ainda que o PL vai gerar “insegurança jurídica”, com
“afastamento de investidores, escassez e encarecimento do crédito e
facilitação de fraudes e conluios”.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) lembrou que as mudanças
podem contribuir para a demora no encerramento do processo de falência.
Segundo Cybelle Guedes Campos, sócia do Moraes Jr. Advogados, as
mudanças trazidas pelo PL podem desestimular as empresas em crise a
buscarem a reestruturação na Justiça.
— O texto carece de um amplo debate com a sociedade e, especialmente, com
os atores envolvidos nos procedimentos de insolvência, não se justificando a
tramitação em regime de urgência. O PL não levou em conta a necessidade de
proteção às empresas em crise, deixando de oferecer soluções eficazes e
realistas.
Joana Bontempo, da área de recuperação judicial do CSMV Advogados,
afirma que o PL introduziu dispositivos que não conversam com a realidade
dos processos de insolvência e não estão em linha com o espírito de
celeridade.
—Tem o potencial de gerar litígios e impactar a economia, com restrição de
acesso ao crédito.